(arte da amorimrafaela)
Escrevi meu primeiro memorial reflexivo em setembro. Não por curiosidade, mas porque me submeti a uma seleção para ser preceptora de um projeto na escola onde trabalho (deu tudo certo!). Aos que ainda não escreveram, trata de um texto onde você narra sua trajetória pessoal ao passo que também reflete os relatos, e nesse caso, o edital pedia que fosse feito um memorial sobre a trajetória acadêmica e docente que tive.
Difícil foi resumir cinco anos de faculdade mais três de docência em uma única lauda, principalmente sendo eu fã de textão, e sendo a educação algo irredutível. De resto, tendo a me surpreender, sempre que retomo e observo, tudo que vivenciei como aluna de graduação na UECE, com o mundo que me foi ofertado e eu aceitei de bom grado. Escrevendo aquilo, me caiu a ficha de que, a primeira vez em que entrei em escola e faculdade privada, já foi como professora, algumas vezes ainda graduanda e outras já formada.
Não há medo em olhar para trás e construir essa narrativa, e sim em em torná-la menor para atender ao edital, visto que a docência é um acontecimento que me dá coragem, temo em pecar ao esquecer qualquer detalhe desse caminho. Me sinto bem em hoje poder devolver o conhecimento e os sonhos que a escola pública de ensino médio me proporcionou (no meu caso, na mesma escola onde estive como aluna, aluna monitora de português no terceiro ano, bolsista do PIBID e de extensão como graduanda). Apesar do cansaço e de muitas vezes sentir que estou remando contra a maré, acordo comprometida em lutar pela educação que acredito e sonho, capaz de acolher crianças, jovens e professores com políticas firmes e HUMANIZADAS.
Esse memorial que enviei aos avaliadores é um pedacinho da minha história, mas ele também é político. Não fosse a escola pública, a faculdade pública, as bolsas que recebi durante toda a graduação, os projetos que participei, talvez não fosse possível estar onde estou, contando com o trabalho que meus pais dedicaram para que eu estudasse, ou eu ainda estivesse no meio do caminho. Isso é o mínimo ainda, quando penso o que realmente está na constituição, não é governantes, é o povo e a incrível capacidade de espernear.
Primeira vez que uso esse espaço, o título vem depois, uma newsletter feita por meus textos fictícios, para falar do real em outra ordem, do que me orgulha, do que me impulsiona, e do que me revolta. Agora esse espaço é aberto, então alguém que leia pode não saber, mas essa newsletter também é política, saiba, você que apoia o Bolsonaro e me ler, essa newsletter é fruto de uma lei que ele VETOU, me entende? Foi um projeto que submeti e foi aprovado pela Lei de Emergência Cultural Aldir Blanc (Lei nº 14.017/2020) no final de 2020, em plena pandemia, onde fiquei parcialmente desempregada. Foi uma alegria gigante, foi um SIM ao meu primeiro sonho, o de me tornar escritora, foi também um recurso na hora certa, onde não havia quase nada de esperança.
No derradeiro debate para presidente, Bolsonaro atribuiu aos feitos de seu “governo” essa lei, mas tenho uma memória ótima e lembro muito bem o ódio que senti quando saiu no jornal a notícia que ele vetou, essa e a Lei Paulo Gustavo, vejo como ele trata, ou melhor, escolhe não tratar, a educação e a arte, potências que transformam minha vida e a de muita gente desde sempre, eu ouço bem, e observo muito o que ele é, o que ele representa, o que ele fala, quem ele admira e enche a boca suja pra pronunciar o som de cada letra de nomes que deviam cair no esquecimento, pior de tudo, o que ele deixa nas entrelinhas me assombra. O egocentrismo que esbanja ao falar “deus acima de tudo” , um deus que ele mesmo cria à sua imagem e semelhança, para justificar o mundo oco em que vive, sem amor, sem respeito, sem profundidade.
Quando projetos de apoio cultural são vetados, são possibilidades que afundam, possíveis livros, filmes, discos, docs, apresentações caem no limbo, consigo sentir o brilho no olho de cada artista ficar cinza. E eu poderia não ter passado por nada disso, sem os livros que li, sem os professores que me atravessaram, sem meus escritos fictícios e acadêmicos, se eu tivesse parado os estudos, por algum motivo, e continuasse só com a belíssima educação que tive, sensível e cheia de valores, saberia que o bolsonarismo é inviável porque ele não é inclusivo, não é sensível às diferenças, exclui o que é brasileiro, verdadeiro, espontâneo, humano, porque tudo o que citei aqui é o mínimo diante de suas diversas barbaridades. Não precisa de muito para descobrir isso, precisa só perceber que é há um mundo imenso, divino, para além do nosso próprio umbigo, que não se resume, não se esconde, e que não cabe em memoriais, por mais emocionado que esse consiga ser.
Não tá nó pitchfork, mas tá no meu coração (álbuns que ouvi dum jeito não saudável).
O especial de primeira, da Marina Sena, deu uma nova vida às melhores músicas do álbum. Amo as escolhas estéticas nostálgicas que ela usou ao regravar os vídeos desse especial, que tem completo no YouTube. Acho a Marina uma artista completa, subjetiva, que não abre mão do que ela acredita nem diante das críticas mais cruéis, também vejo uma mistura de maturidade e brincadeira em suas composições. Indico forte, sempre coloco na fila das playlists coletivas.
Sintoniza aí.
Hoje vou indicar um Podcast de uma artista que sou fã. Aline Valek, tudo que ela desenha, estuda, grava e escreve merece ser visto. Acho ela muito comprometida com a verdade e a qualidade dos conteúdos que compartilha. Esse ano, o primeiro livro que li, foi seu: “As cidades afundam em dias normais” , que apesar de ser ficção, percebo que há uma pesquisa gigante por trás. Nesse podcast, ela narra um de seus contos que está disponível em ebook. Nele, dá pra sentir o traço bem humorado de sua narrativa, que está em tudo que li dela.
É isso, gente.
Qualquer comentário e sugestão, estou aqui.
Um abraço, cuidado amanhã ao votar.
Com carinho,
Jéssina.
Li isso depois do resultado do primeiro turno e de escrever várias páginas de diário. Uma fina sensibilidade ao tempo presente é necessária para ver que é preciso se afastar da barbárie se quisermos ver a alternativa. Lendo essas linhas lembrei dos versinhos do Mineiro, que me pipocam a cabeça desde domingo:
"E nessa americana poranduba,
um verso irmão lá vai, direto a Cuba,
onde o sonho humano se elabora,
confuso, dolorido... até que um dia
a vida, se não doce como cana,
pelo menos se torne mais humana"
É sempre bom te ler. Um abraço do amigo que conheceu a Insustentável Leveza por presente teu.